Páginas

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Cobrança de taxa pela Anotação de Responsabilidade Técnica pelo CREA é inconstitucional

 

D.E.

Publicado em 17/12/2009
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2007.70.00.013915-1/PR
 
 
RELATORA
:
Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
APELANTE
:
CONSELHO REGIONAL DE ENG/ ARQUITETURA E AGRONOMIA DO ESTADO DO PARANA - CREA/PR
ADVOGADO
:
Osmar Alfredo Kohler e outro
:
Simone Kohler
APELADO
:
BELA VISTA INCORPORACOES LTDA/ e outro
ADVOGADO
:
Alexandre Medeiros Regnier
REMETENTE
:
JUÍZO FEDERAL DA 08A VF DE CURITIBA



EMENTA

TRIBUTÁRIO. ANOTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE TÉCNICA. PREÇO. TAXA. ART. 2º, § 2º, DA LEI Nº 6.496/77. INCONSTITUCIONALIDADE.
1. O preço público constitui-se de receita originária decorrente da contraprestação por um bem, utilidade ou serviço numa relação de cunho negocial em que está presente a voluntariedade, não sendo esse o caso da anotação de responsabilidade técnica - ART, cuja natureza reveste-se das qualidades de taxa. 2. A Corte Especial deste Tribunal declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 2º, da Lei nº 6.496/77, por violação ao artigo 150 da Constituição Federal. (Argüição de Inconstitucionalidade na APELRE nº 2007.70.00.013915-1/RS). 3. Hipótese em que foi determinado à autoridade impetrada que registrasse as Anotações de Responsabilidade Técnica - ART's de competência das impetrantes sem a cobrança da respectiva taxa. 4. Apelo desprovido.


 
ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 01 de dezembro de 2009.

 
Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
Relatora
 
 
 
RELATÓRIO
 
Bela Vista Incorporações Ltda. e Betina Lepretti Medeiros impetraram o presente mandado de segurança contra ato praticado pelo presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do Paraná - CREA/PR, consistente na exigência de taxa para o registro, expedição e apresentação de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).

A autoridade impetrada prestou as devidas informações.

Ao proferir a sentença, a magistrada a quo concedeu a segurança, para o fim de declarar a inconstitucionalidade do art. 2º, § 2º, da Lei nº 6.496/77 e, por conseguinte, determinar à autoridade impetrada que registre as Anotações de Responsabilidade Técnica - ART's de competência das impetrantes sem a cobrança da respectiva taxa.

Em suas razões de apelação, sustentou o Conselho, em síntese: a) que o valor da ART não corresponde a tributo, mas sim a preço, de modo que não há ofensa ao artigo 150, I, da CF; b) a constitucionalidade do artigo 2º, § 2º, da Lei nº 6.496/77.

Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

Esta Turma suscitou, perante o colendo Órgão Especial, incidente de inconstitucionalidade do artigo 2º, § 2º, da Lei nº 6.496/77, por violação ao artigo 150 da Constituição Federal.

A Corte Especial no julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade na APELRE nº 2007.70.00.013915-1/RS, de minha relatoria, declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, § 2º, da Lei nº 6.496/77, por afronta ao art. 150, I, da Constituição Federal, nos termos do acórdão a seguir transcrito:

TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART 2º, § 2º, DA LEI Nº 6.496/77. ACOLHIMENTO.
1. Considerando que a Constituição Federal exige como requisito de validade e exigibilidade do tributo a sua previsão em lei, a qual deve conter, expressamente, todos os elementos necessários à sua caracterização, não é cabível que um ou mais desses elementos sejam instituídos por norma de natureza infra-legal, mesmo que haja lei autorizando.
2. Incidente de argüição de inconstitucionalidade do artigo 2º, § 2º, da lei Nº 6.496/77 acolhido.

Retornaram os autos para prosseguimento do julgamento da apelação. É o relatório.


 
VOTO
 
O Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do Paraná - CREA/PR em suas razões de apelação sustentou que o valor da ART não corresponde a tributo, mas sim a preço público, assim, concluiu que não há ofensa ao artigo 150, I, da CF. Nessa temática o Conselho referiu que A ART não é taxa propriamente dita, eis que, embora compulsória a sua cobrança na medida da fiscalização de interesse da coletividade inerente ao poder de polícia do Conselho Profissional, também servirá para a formação do acervo individual do particular (caráter privado), como garantia de responsabilidade nos trabalhos do profissional, resultando para este, ainda, em um benefício pecuniário. Ao final, caso fosse considerado por esta Corte que o valor da ART fosse considerado tributo, pugnou pela constitucionalidade do artigo 2º, § 2º, da Lei nº 6.496/77, sendo, em qualquer hipótese, invertidos os ônus sucumbenciais.

A ilustre magistrada "a quo" refutou, na decisão ora atacada, os argumentos do Conselho apelado referente a questão da taxa referente a ART ser preço público, nas seguintes letras:

(...)
Nem se diga que aludida exação não se trata de taxa, mas sim de preço público, o qual não se submeteria aos requisitos exigidos pelo sistema jurídico tributário.
O E. STF, conforme súmula n. 545, assim se posicionou sobre a diferença entre taxa e preço público:

"Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu"

O jurista LEANDRO PAULSEN assim abordou o assunto:

"Deve-se ter bem presente a diferença entre taxa e preço público. Aquela é tributo, sendo cobrada compulsoriamente por força da prestação de serviço público de utilização compulsória ou do qual, de qualquer maneira, o indivíduo não possa abrir mão. O preço público, por sua vez, não é tributo, constituindo, sim, receita originária decorrente da contraprestação por um bem, utilidade ou serviço numa relação de cunho negocial em que está presente a voluntariedade (não há obrigatoriedade do consumo). A obrigação de prestar, pois, em se tratando de taxa, decorre direta e exclusivamente da lei, enquanto, em se tratando de preço público, decorre da vontade do contratante. Por ter suporte no poder de tributar do Estado, submetendo os contribuintes de forma cogente, a exigência de taxas está sujeita às limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 150 da CF: legalidade, isonomia, irretroatividade, anterioridade, vedação do confisco). A fixação do preço público, de outro lado, independe de lei; não sendo tributo, não está sujeito às limitações do poder de tributar" (in PAULSEN, Leandro. Direito Tributário - Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 48).

Portanto, dentre os elementos diferenciadores de taxa e preço público, e cuja análise importa para o deslinde deste feito, encontra-se o da compulsoriedade. Com efeito, aquela é contraprestação de serviços públicos de utilização compulsória, sendo impedido ao cidadão utilizar-se de outro serviço para atingir a mesma finalidade. O preço público, por sua vez, corresponde à contraprestação por serviço público prestado com caráter facultativo, ou seja, ao usuário é possível valer-se de outro serviço ou modo para atingir a finalidade almejada. Utiliza o serviço público, destarte, mediante emissão de livre vontade, e não compulsoriamente.
A Anotação de Responsabilidade Técnica - ART junto ao respectivo Conselho Regional é obrigatória, cuja não observância implica na aplicação de multa. Não há como o profissional interessado utilizar-se de outro meio para suprir a exigência.
Trata-se, portanto, de exigência compulsória, uma vez que deve ser observada obrigatoriamente pelo profissional que deseja executar obras ou prestar serviços de Engenharia, Arquitetura ou Agronomia. Como a submissão dos contribuintes ocorre de forma cogente, o valor cobrado para esse fim possui natureza de taxa e, portanto, submete-se às limitações constitucionais do poder de tributar.
O fato de que, indiretamente, as ARTs possam trazer um benefício pecuniário aos respectivos profissionais, por meio do aumento de seu acervo técnico, em nada altera a conclusão acima, uma vez que esse fato não é determinante para descaracterizar a natureza jurídica de taxa de referida exação.
Com efeito, tal circunstância não é suficiente para caracterizar o valor cobrado como preço público, uma vez que este pressupõe o caráter volitivo de o contribuinte se utilizar de serviço estatal, quando o fim por ele almejado poderia ser satisfeito de outra forma. No caso das ARTs, consoante exposto, não há outra forma de o contribuinte satisfazer seu desiderato, tendo que a ela se submeter compulsoriamente. Não merecem guarida, portanto, os argumentos que visam retirar o caráter tributário do valor cobrado para sua efetivação.
(...)

Além do que, conforme consta no relatório, a Corte Especial deste Tribunal, por unanimidade, declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 2º, da Lei nº 6.496/77, por violação ao artigo 150 da Constituição Federal, acórdão cujo inteiro teor consta nos autos às fls. 172/177.

Dessa forma, afastada incidência desse dispositivo, não merece guarida a pretensão esgrimida pelo CREA/PR neste recurso que devolveu a matéria referente a discussão de que a taxa, em tela, é preço, e ainda, quanto a constitucionalidade do artigo 2º, § 2º, da Lei nº 6.496/77, devendo ser mantida a sentença que determinou à autoridade impetrada que registrasse as Anotações de Responsabilidade Técnica - ART's de competência das impetrantes sem a cobrança da respectiva taxa.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

 
Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
Relatora