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sábado, 24 de setembro de 2011

MANDADO DE SEGURANÇA. CRÉDITO FISCAL DECORRENTE DE IRRF. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SÓCIO. EMPRESA EXECUTADA. PATRIMÔNIO SUFICIENTE PARA SATISFAÇÃO DO DÉBITO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS SÓCIOS.

 


D.E.
Publicado em 08/10/2009
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.71.10.002534-4/RS
 
RELATORA
:
Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
APELANTE
:
ERICO DA SILVA RIBEIRO e outros
ADVOGADO
:
Fabio Maier Alexandretti
APELADO
:
UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO
:
Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional


EMENTA

 
MANDADO DE SEGURANÇA. CRÉDITO FISCAL DECORRENTE DE IRRF. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SÓCIO. EMPRESA EXECUTADA. PATRIMÔNIO SUFICIENTE PARA SATISFAÇÃO DO DÉBITO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS SÓCIOS.
1. Tendo em vista a empresa ostentar natureza jurídica distinta dos sócios, não se justifica a responsabilização dos mesmos por débitos fiscais, o que só seria admissível na hipótese de ausência de patrimônio da sociedade para satisfação do débito, que não é o caso dos autos.
2. Logo, os embargantes são parte ilegítima, tendo em vista a responsabilidade subsidiária em relação à empresa executada.
3. Acolhido o apelo para conceder a segurança, a fim de que os nomes dos impetrantes sejam retirados de qualquer cadastro de inadimplência.

 
ACÓRDÃO
 
 
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo retido e dar provimento à apelação para conceder a segurança, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
 
Porto Alegre, 22 de setembro de 2009.



 
Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
Relatora
 
RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta contra sentença que denegou a segurança.

A parte impetrante postula a reforma da sentença, sob os seguintes argumentos: a) o CTN só admite o redirecionamento nas hipóteses de dolo, fraude ou simulação, a teor do disposto no art. 135, sendo que no caso em tela não houve comprovação acerca de eventual ação penal contra os impetrantes, não podendo o simples adimplemento de tributos ser considerado indício suficiente a ensejar o redirecionamento da execução fiscal; b) somente o Frigorífico Extremo Sul integra o polo passivo da execução fiscal, não tendo sido citados os sócios como responsáveis pelo débito fiscal, sendo correto afirmar que o débito encontra-se fulminado pela prescrição; c) não importa se o débito é referente ao Imposto de Renda Retido na Fonte, mas sim que haja comprovação de infração à lei praticada pelos sócios-gerentes. Requer, por fim, a concessão da segurança, a fim de que os nomes dos impetrantes sejam retirados do sistema CIDA e CADIN. Prequestiona o art.135 do CTN, e arts. 5º, XXXIX, LIII e LVII da CF/88.

O Ministério Público Federal opina pela denegação da segurança.

Processado o apelo, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.


 
VOTO

 
Inicialmente, não conheço do agravo retido interposto, uma vez que não reiterada sua apreciação pela parte agravante.

Os impetrantes pretendem a concessão da segurança, a fim de que os seu nomes sejam retirados do sistema CIDA e CADIN.

Conforme se depreende dos autos, foram considerados devedores solidários de crédito fiscal decorrente de Imposto de Renda Retido na Fonte cobrado da empresa Frigorífico Extremo Sul, tendo sido remetidas DARF's aos mesmos, exigindo o pagamento do referido crédito, no valor total de R$ 255.655,44, até a data de 30/6/2008, sob pena de ajuizamento de ação fiscal (fls. 20/26).

O fundamento legal para a cobrança foi consubstanciado no art. 8º, do Decreto Lei nº 1.736/79, conforme se infere da cópia do despacho nº 00.46.100-08, proferido no Processo Administrativo nº 11040.500430/2005-90 (fl. 27).

Vieram aos autos, também, cópias do executivo fiscal nº 2005.71.10.001636-6, das quais se depreende que o crédito tributário está sendo cobrado judicialmente da empresa Frigorifico Extremo Sul S/A, tão-somente.

Delineado o panorama fático da causa, passo ao exame do meritum causae.

Da (i)legitimidade passiva dos sócios

A atribuição de responsabilidade tributária aos gerentes ou administradores de empresas está ligada à doutrina de desconsideração da personalidade jurídica, originária do direito norte-americano. Essa doutrina surgiu a partir da constatação de que a ficção de separação patrimonial entre empresa e sócios por vezes era utilizada para o cometimento de abusos e fraudes contra os credores. No plano do direito comercial, há regras que contemplam essa doutrina no ordenamento brasileiro. Nesse sentido, podem ser apontados o art. 10 do Decreto nº 3.708/19, o art. 1.080 do Código Civil e o art. 158, caput, da Lei nº 6.404/76.

No campo do direito tributário, a responsabilização dos diretores, sócios-gerentes ou representantes pelas dívidas tributárias de empresas está disciplinada pelo art. 135, inc. III, do CTN da seguinte forma:

'Art. 135 - São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
(...)
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."

Tendo em conta a literalidade do art. 135, inc. III, do CTN, desde logo se verifica que a responsabilidade tributária pode ser atribuída àqueles que, como primeiro requisito, possuem a condição jurídica e/ou fática de gestores da empresa. Excluem-se de plano os que são simplesmente sócios da pessoa jurídica de direito privado, pois o que interessa é a condução dos negócios da empresa.

Da mesma forma, outra anotação a ser feita é que não se pode pretender responsabilizar o diretor, gerente ou representante por atos ou omissões relacionadas a período anterior ou posterior à sua gestão.

Na seqüência de análise, também da literalidade do dispositivo em foco (art. 135, inc. III, do CTN), deve ser ressaltado que a atribuição de responsabilidade aos gestores tem como causa a prática de atos "com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos".

Durante longo período, em tempo não muito distante, especialmente no âmbito jurisprudencial, prevaleceu o entendimento de que o simples inadimplemento da obrigação tributária configurava a infração à lei a que se refere o art. 135, inc. III, do CTN para fins de caracterização da responsabilidade tributária pessoal do gestor, desde que comprovado que exercia tais poderes na empresa no respectivo período. Assim, geralmente, a satisfação da obrigação tributária, no caso de inadimplemento pela pessoa jurídica, era buscada de seu gestor, configurando, na prática, espécie de responsabilidade objetiva.

Atualmente, esse entendimento encontra-se superado, não bastando o mero inadimplemento por parte da empresa para viabilizar a responsabilização pessoal de administradores, gerentes ou representantes, pois esse fato de não cumprir com a obrigação tributária, por si só, não pode ser qualificado como a "infração à lei" prevista no art. 135, inc. III, do CTN.

As sociedades com limitação de responsabilidade limitada a responsabilidade tributária dos gestores é regida pelas disposições do art. 135, inc. III, do CTN, que condiciona a responsabilização tributária dos gestores de empresas à demonstração de fatos de que tenham agido com excesso de poderes, infração à lei ou ao contrato social, assim entendido não apenas o inadimplemento da obrigação tributária.

Desse modo, a princípio, justificam a responsabilização dos gestores (1) a prática de fato caracterizado como ilícito penal, (2) a ocorrência de hipótese prevista em texto expresso de lei - aqui incluído o caso de inadimplemento de tributos por parte de microempresas e empresas de pequeno porte extintas - e, como caso mais comum, (3) a dissolução irregular da empresa.

Inicialmente, observo que a execução fiscal anteriormente referida somente foi ajuizada contra a empresa Frigorífico Extremo Sul S/A. Ademais, consoante se vê da Consulta ao Portal da Justiça Federal, já ocorreu penhora na execução fiscal, tendo sido opostos embargos à execução em outubro de 2008.

Resta comprovado, portanto, que a empresa está em atividade e teve seus bens penhorados para garantia da dívida executada.

Em face de tais circunstâncias, tenho que merece censura o procedimento adotado pela União, no sentido de exigir o cumprimento da obrigação tributária dos impetrantes, tendo em vista que a pessoa jurídica tem natureza distinta de seus sócios. De fato, os bens dos sócios de uma empresa comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade.

Sinale-se ainda que, na hipótese vertente sequer houve o redirecionamento na ação de execução fiscal, o que só se justificaria se constatada a impossibilidade de cobrança da pessoa jurídica. Deveras, os autores poderiam ser responsabilizados, em tese, em caso de ausência de patrimônio para satisfação do débito, que não é o caso dos autos.

Portanto, realmente os sócios impetrantes são parte ilegítima, tendo em vista a responsabilidade subsidiária dos mesmos em relação à empresa executada.

Assim, tendo em vista as ponderações supra reputo ilegal a cobrança exigida com base no processo administrativo nº 11040.500430/2005-90, devendo a autoridade impetrada abster-se de inscrever ou, caso já tenha inscrito, retirar os nomes dos impetrantes de qualquer cadastro de inadimplência.

Sem honorários, conforme Súmulas 512 do STF e 105 do STJ.

Condeno a União a reembolsar as custas despendidas pelos impetrantes.

Prequestionamento

Saliento, por fim, que o enfrentamento das questões apontadas em grau de recurso, bem como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias superiores os dispositivos que as embasam. Deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado. Dessa forma, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão-somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do CPC).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por não conhecer do agravo retido e dar provimento à apelação para conceder a segurança.

 
Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
Relatora